Disse no artigo que publiquei nas primeiras horas do dia da eleição (05/10/2014) que qualquer que fosse o resultado que emergisse o ungido teria de enfrentar grandes dificuldades neste final de ano legislativo e nos próximos quatro.

Reeleita com a menor margem de votos desde a redemocratização, Dilma Rousseff (PT) enfrenta o desafio de reconciliar um país que se mostrou dividido nas urnas. Ela obteve 51,64% dos votos válidos, contra 48,36%, ou seja: 54.501.118 contra 51.041.155 de Aécio, uma maioria de 3.459.963.

Ao candidato tucano faltaram apenas 1.729.982 votos para chegar à vitória. Uma diferença ínfima, se levarmos em conta o universo que não votou na petista - 88.320.240 (61,8%) eleitores dos 142.822.046 (aptos).

Mas a regra eleitoral não deixa dúvida: o que conta é a metade e mais um dos votos válidos apurados, e Dilma está legalmente eleita, pelo menos é o que disse o TSE depois da apuração da vontade do eleitor, ainda que, pelas acusações, seja temeroso colocar este asserto.

Após a proclamação oficial do resultado pelo TSE, Dilma Rousseff fez uma conclamando ao diálogo, quando disse, matreiramente, como um "mea culpa", que gostaria de "ser uma presidenta melhor do que fui até agora". Não deu certo. O eco de sua frase de efeito nem serenara quando começaram a pipocar pelo Brasil manifestações contrárias diversas.

Primeiro, os nordestinos foram achincalhados porque deram as maiores vantagens eleitorais a Dilma - um terrível ato de discriminação, que resultou em repúdio de todos os organismos institucionais do país. 

O ataque - nas mídias sociais - ao Nordeste amainou, mas a insatisfação de alguns setores, essencialmente os mais radicais, não cessaram, sobretudo quando o caldo do questionamento foi engrossado com as denúncias de fraude.

Eventos apareceram, ainda que meio tímidos, em alguns capitais do país: São Paulo (o maior), Curitiba, Brasília e Belo Horizonte. Em todos, as palavras de ordem eram as mesmas - "O PT constrói uma ditadura", "O Brasil não é a Venezuela", "Vai para Cuba", "Eleição foi a maior fraude da história", "Presidente do TSE, José Dias Toffoli, é um estagiário do PT", entre outras.

Os mais radicais logo também se apresentaram e não se tolheram ao pedir intervenção militar. Foi o suficiente para que todos os setores da política e institucionais protestassem, da mesma forma que "nosotros".

Governador de SP, Geraldo Alckmin (PSDB), lembrou que as pessoas têm o direito de se manifestar, mas ressaltou que a democracia deve ser fortalecida. O presidente nacional do DEM, José Agripino, classificou como “deplorável” e “condenável” o pedido de intervenção militar. 

Até o cantor Lobão, que gosta de se meter nas intrigas políticas, apareceu no manifesto, mas disse que a intervenção militar está fora de propósito e que a rejeita. Lobão só queria reforçar a acusação de fraude na apuração eletrônica, que é uma verdadeira caixa preta.


MOVIMENTO VAI CONTINUAR

Seja como for, o movimento de rua pelo impeachment vai continuar. Eventos semelhantes foram convocados - pelas redes sociais - para o feriado de Proclamação da República, 15, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Brasília.

Do evento de São Paulo sabe-se que dois grupos fazem a convocação. Um deles é puxado pelo deputado federal eleito Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) e por Paulo Batista, que foi candidato a deputado estadual pelo PRP. O outro grupo é organizado pelo empresário Marcello Reis.

Os dois grupos dizem não ser responsáveis pelos pedidos de intervenção militar na última manifestação. Marcelo Reis  explica que é “lógico que tem um grupo que quer intervenção militar, mas não somos um deles”. Reis garante que convocou o ato pela “anulação das eleições”. Ele diz ter provas de que houve fraude nas urnas e pedirá o impeachment da presidente.


A PRESIDENTA QUE NÃO
É DO NORDESTE 


Enquanto os fatos  avançam com celeridade, a presidenta Dilma trabalha contaminada pela lentidão da máquina. Não consegue avançar nas propostas (cumprindo as promessas) e as más notícias não deixam de chegar.

No primeiro discurso após a vitória, a presidente indicou o caminho em uma palavra, transformada em promessa: diálogo.

– É o primeiro compromisso do segundo mandato.

Muita gente entendeu, sobretudo os petistas, que aquela palavra, pronunciada em momento de muita emoção, seria suficiente para que todos corressem para o abraço. Não aconteceu, e a trégua foi pequena. 


A dificuldade maior do governo é como sair do discurso para a prática do que foi prometido exaustivamente na campanha, pois a petista vai governar sem folga e com desafios que vão empurrá-la permanentemente contra a parede. Ela vai ter de vencer o seu jeito centralizador e durão de falar tudo e pouco ouvir, se quiser se sair bem e navegar em paz.

A sintonia com as ruas, que pouco acreditou no farto prometimento, os canais com o Congresso e com o mercado financeiro precisam ser reconquistados. Mas, fundamentalmente, interessa como a presidenta reeleita vai fazer para acalmar o indócil contingente oposicionista, quase tão grande ou maior que o dela - segundo os denunciadores da fraude na apuração.

Cheguei até a pensar que as ruas iriam esperar um maior tempo. Engano. Saíram na frente e ameaçam levar governo e parlamentares a reboque. Mas, no seu estilo, os parlamentares não ficaram parados. Já deram o primeiro recado ao derrotar o governo na primeira votação na Câmara dos Deputados depois da reeleição da presidente Dilma Rousseff. Foi derrubado o decreto que criava a Política Nacional de Participação Social. A decisão final será tomada pelo Senado, que não prenuncia bom tempo.

Em seguida, quem falou foi o mercado, preocupado com os obstáculos na economia, na relação com as bases e na contenção - quase impossível - dos estragos do escândalo da Petrobras. A bolsa de valores devolveu a perda da última queda diante da possibilidade de Dilma compor uma equipe econômica favorável à iniciativa privada.

Até agora os sinais não apareceram e o cenário não é bom - o Brasil teve agora o pior resultado na balança comercial dos últimos 16 anos - déficit somou US$ 1,87 bilhão.


A AÇÃO QUE TARDA E NÃO CHEGA

O governo navega em espasmos. Faz um discurso e se encolhe. Faz uma proposta, sobretudo no propósito da reforma política, e se vê rechaçado. Não consegue sequer recompor sua equipe econômica, ainda ocupada interinamente por um ministro demissionário e rejeitado pelo mercado.

Na campanha, Dilma disse, ao ser indagada sobre a substituição de Guido Mantega, que “eleição nova, governo novo, equipe nova". O mercado espera ansioso, acreditando na afirmação dela de que iria começar agora o novo governo, ou seja, que não precisava esperar a posse em primeiro de janeiro do próximo ano (2015).

Ocorre que e o acirramento do pleito e as condições do governo brasileiro, com baixo (ou nenhum) crescimento e inflação que teima em escapar, junto com o comprometimento eleitoral (promessas e apoios) exigem uma máquina azeitada e não uma desgastada pelo uso e por ordens, algumas vezes, desencontradas.

Dilma Rousseff levou para o Planalto uma vitória sofrida e uma carrada de problemas, que até poderia ser minimizada se não fosse a exposição a que se viu obrigada a fazer durante a campanha eleitoral. Pegará um restinho de ano com um Congresso magoado e enfrentará o novo ano com uma composição congressual com notáveis mudanças - uma delas é a oposição mais articulada.

Dilma sabe que tem agora uma oposição (encabeçada por Aécio Neves-PSDB) muito forte nos cenários internos e externos. Fez promessas difíceis e terá que cumpri-las, em especial as reformas política e tributária, sob pena de ver as ruas outra vez invadidas por manifestantes. E, a par disso, ainda lhe sobra um Congresso multifacetado em uma miríade de partidos volúveis - a argamassa com que terá de cimentar sua governabilidade.

No Planalto, na busca de acertar o passo, são discutidas formas para materializar a vontade de dialogar, manifestada pela presidenta. A mais urgente, para acomodar o mercado, é anunciar o substituto de Guido Mantega no Ministério da Fazenda. Em seguida, vem a luta para segurar os gastos públicos, esforço até agora infrutífero. Mas há um compromisso nesse rumo e agora o jeito é cumprir o discurso feito de combater “com rigor” a inflação e de “avançar” na responsabilidade fiscal.

A primeira semana do pós-eleição não avançou muito no caminho que a presidente anunciou como promessa. O escândalo da Petrobras não arrefeceu, ainda que tenham mandado o presidente da Transpetro, Sergio Machado (foto), tirar uma licença - com cara de demissão - para facilitar a "limpeza" do governo.

A queda de Machado, aliado e indicado pelo senador Renan Calheiros (PMDB), presidente do Senado, ficou clara quando o ex-diretor de abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, preso sob acusação de ser o operador do esquema de propinas da estatal, falou em depoimento à PF que o presidente da empresa subsidiária da Petrobras na área de logística, que executa um programa de construção e compra de navios, teria dado a ele (Costa) R$ 500 para o esquema.


OS CINCO DESAFIOS DA PRESIDENTA

Para deixar bem claro, enquanto o governo (o velho e o novo) espera as ideias novas, lembro aqui as cinco propostas mais importantes feitas pela presidenta reeleita.

1 - Controle da inflação e política econômica

Conter a inflação, que está um pouco acima do teto da meta de 6,5% ao ano, retomar os níveis de crescimento e recuperar a confiança do mercado. Para tanto, é fundamental o controle dos gastos públicos.

2 - Infraestrutura

As promessas de campanha estão atrasadas. Um exemplo é a nova ponte do Guaíba, prometida na campanha de 2010, que só começou duas semanas antes do dia do voto. Lançado há quase dois anos, com investimento de R$ 7,3 bilhões em 270 aeroportos, o plano de aviação regional não deixou o papel e as obras mais importantes do PAC também andaram pouco. A transposição do Rio São Francisco, iniciada em 2007, só deve ser concluída em 2015. A ferrovia Norte-Sul teve um trecho de 855 quilômetros entregue este ano, entre Anápolis e Palmas.

3 - Combate à corrupção

A presidenta Dilma não pode esquecer que, na campanha recém-finda, lançou pacote com cinco medidas para combater a corrupção. Entre elas, transformar em crime o caixa 2 e punir o enriquecimento ilícito de agentes públicos. Mas isso não apaga as suspeitas de irregularidades dentro do governo petista.

Duas CPIs da Petrobras estão no Congresso e prosseguem as investigações e depoimentos dos processos referentes à Operação Lava-Jato. O efeito das delações premiadas do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef trarão dores de cabeça ao governo. Só mandar o presidente da Transpetro, Sergio Machado, pedir licença, por ter sido citado pelo doleiro é pouco.

4 - Reforma política

Classificada pela presidente em seu discurso após a reeleição como a “primeira e mais importante” das reformas pendentes, a reforma política será seu desafio maior. O tema é discutido há décadas e nunca saiu do papel. Dilma anunciou a realização de um plebiscito para consultar a população brasileira sobre a necessidade de realizar a reforma política.

Opiniões contrárias fizeram a equipe do governo repensar. Como se trata de uma responsabilidade constitucional do Congresso, Dilma defende um plebiscito, um modelo que gera controvérsias na base. O vice-presidente Michel Temer reagiu e o presidente do Senado, Renan Calheiros, defende que o melhor caminho é aprovar um projeto no Legislativo e, depois, submetê-lo a um referendo popular.

A diferença entre a ideia de Dilma e a de Calheiros consiste no seguinte: no plebiscito, são feitas perguntas sobre assuntos que podem compor a proposta; no referendo, a sociedade diz sim ou não a um projeto já formulado.

5 - Articulação no Congresso


O Congresso que assumirá a partir de fevereiro de 2015 terá deputados de 28 partidos diferentes, uma base ampla, volúvel e, assim, difícil de enquadrar. No primeiro mandato, a relação apareceu recheada de críticas pela falta do diálogo, agora renovado como promessa. 



NO CEARÁ, O COMPLEXO
DE CENTRO DO MUNDO

No Ceará, a vida seguiu após o resultado das urnas com muitos boatos e fuxicos, que fazem que muitos pensem, como dizia o saudoso ex-governador Virgílio Távora, que o Ceará é o centro do mundo. O governador Cid Gomes (Pros), navegando de velas enfunadas, inventou logo uma viagem a Brasília, enquanto a mídia tateava para descobrir quem é Camilo Santana, publicando as mais burlescas matérias.

O anúncio da viagem ao DF para apresentar seu troféu - o governador eleito, Camilo Santana (PT), foi o suficiente para que a central de boatos, que foi tão ativa na campanha recém-finda, soltasse que Cid iria discutir um convite para ser ministro do governo Dilma Roussef (PT). Mesmo sem ir e sem ter convite, o governador eleitor foi logo dizendo que se sentiria honrado, mas que não aceitaria, por nenhuma hipótese, o convite, pois seu plano é passar uma temporada no exterior.

Não falou sobre o tempo que ficaria no estrangeiro (já estaria alugando um casa, para tanto) e tampouco se faria um curso, mesmo de visitante, como fez seu irmão Ciro Gomes em Harvard, e se, igual a ele, escreveria um livro ao final. Do curso, Cid não falou, mas do livro ele já prometeu escrever.

Em Brasília, eleitor e eleito mantiveram encontros com 
os ministros da Casa Civil, Aloisio Mercadante, e do Planejamento, Miriam Belchior. Camilo, já orientado por Cid Gomes, reforçou os pedidos por projetos no Ceará que contam com recursos federais, como o Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT) e o Anel Viário. “São obras que ajudarão a desafogar o trânsito em Fortaleza e a garantir um transporte público de qualidade para a população”.

O governador eleitor, Cid Gomes, não falou de política em tais encontros, mas ele não nega que está fazendo força para segurar o PMDB, partido que considera um mal para o Brasil. "É preciso barrar o PMDB", alerta. Seu objetivo e criar uma frente ou fundir partidos de modo a que a nova legenda ou bloco parlamentar possa enfrentar o PMDB no Congresso. 

A sugestão inicial do governador atual é fundir o Pros, seu partido, com o PDT, legenda que sempre o apoia, apesar de manter o deputado Heitor Férrer, reeleito, como um crítico da casa. Nem fica simpático, nem larga os cargos, mas solta o verbo. De qualquer forma, a ideia está lançada.