Poucos são tão espertos e afiados na arte da enganação quanto o ex-presidente Lula da Silva. O profissional da arte de apropriação do alheio, para enriquecimento seu, da família e de amigos, estabeleceu escola pelo Brasil, chegando a ter centros avançados de ensino da corrupção em alguns países sul-americanos. Desde o começo da sua aventura sindical e depois política, o ladino nordestino tinha o pensamento de se dar bem. Seus companheiros perceberam o talento ilusionista e a desmedida ambição que ele carregava. Passaram a usá-lo em suas operações, antes sindicais e, com o desenvolvimento, nas lutas de conquista política. Até o poder político (militar) estabelecido à época entendeu o que era Luis Inácio da Silva, logo depois apodado de Lula, e o recrutou e treinou. O general Golbery do Couto e Silva, o grande articulador dos governos Castelo e Geisel, percebeu que Lula era apenas um oportunista brilhante na arte de enganar, que não carregava qualquer conteúdo ideológico, e o usou, com a conivência do delegado Romeu Tuma[1], para controlar a força emergente do sindicalismo metalúrgico do ABC e até os caminhos políticos que daí nasceriam.

Não houve tanto tempo assim. Golbery, que ajudou a montar a estratégia de devolução do poder aos civis de forma “lenta e gradual”, deixou o poder no governo Figueiredo, que chegou a recuar da abertura política, cedendo aos generais radicais, apesar do "prendo e arrebento quem for contra a abertura". A ousadia radical esbarrou na incompetência dos terroristas de farda, que se explodiram acidentalmente em um Puma no estacionamento do Riocentro[2]. Cedo, Zé Dirceu e mais alguns espertos petistas, com o lastro de atuação na guerrilha de resistência à ditadura, perceberam que seria fácil manipular o líder, sobretudo no que se refere a dinheiro. A partir de então Lula da Silva virou um líder sindical e partidário sem nenhuma preocupação com a sobrevivência e outras despesas, inclusive as de campanha. Tudo era arranjado por eles. Lula só tinha de andar e seduzir as pessoas. Os meios eram com eles, OS AMIGOS.

A onda cresceu e Lula virou um líder nacional. Os meios tinham igualmente de ser suficientes, e foram crescendo à medida em que as conquistas iam acontecendo. Vieram as bancadas, as boas prefeituras e os governos, aumentando as contribuições. Lula navegava na abundante maionese. Casos como o de Celso Daniel nem arranharam a mega estrutura que já estava montada para esticar a dominação. A eleição de Lula depois de três derrotas, na virada do milênio, deu ao grupo a certeza de que a dominação teria de se estender, como era apregoado, por mais de 20 anos, pelo menos. Bastava que houvesse dinheiro para bancar tudo, incluindo a base de apoio congressual necessária. A primeira investida para bancar a ideia stalinista terminou em uma briga da gangue que executava o projeto, quase derrubando o governo: o MENSALÃO.

Lula e seu grupo foram poupados por fraqueza das oposições, escaldadas pelo impeachment de Collor. Afrouxaram as peias e o governo, aproveitando o bom momento da economia mundial, acabou surfando nos otimistas resultados passageiros que faziam o mundo sorrir. Poderiam ter aproveitado o momento para consolidar a boa situação, mas não o fizeram. Saíram outra vez em busca de fartos fundos para bancar a continuidade do governo. O resultado foi o que hoje se conhece como LAVA JATO e o mergulho do Brasil em uma crise sem precedentes, que o indigitado Lula da Silva teima em desconhecer.

Em sua malfadada caravana pelo Nordeste o ex-presidente continua a dizer que fez tudo no país. Em Quixadá, por exemplo, só deixou de fora o açude Cedro e a pedra da galinha choca. Em Juazeiro do Norte, ajoelhado sobre o túmulo que abriga os restos mortais de PADRE CÍCERO, uma posição nem tão lisonjeira (veja imagens no link abaixo), mesmo visivelmente incomodado com a excessiva proximidade dos correligionários, ex-presidente chegou a se comparar com Padre Cícero. “Conheço a história dele, sei a importância dele para o povo nordestino. E sei que, assim como ele, todo o mundo que defende pobre neste País é perseguido. É preso, é fuzilado, é enforcado”. Um erro grotesco de abordagem.

Padre Cícero foi um político duro e sempre ligado à dominação coronelística. Foi prefeito de Juazeiro do Norte em 1911, quando o povoado foi elevado a cidade e foi eleito deputado federal, 1926, mas não chegou a tomar posse. Em seu mandato de prefeito apoiou a ditadura de Accioli (Antônio Pinto Nogueira) no Ceará, junto com outros 16 líderes políticos regionais, no que ficaria conhecido como Pacto dos Coronéis. Foi destituído em 1913 pelo então governador Franco Rabelo. Volta ao poder um ano depois quando Franco Rabelo foi deposto no evento que ficou conhecido como SEDIÇÃO DE JUAZEIRO. Foi ainda eleito vice-governador do Ceará, no Governo do general Liberato Barroso.

No fim dos anos 20, padre Cícero viu declinar sua força política, que se esvaiu por completo com a revolução Vargas (1930). Morreu em 20 de julho de 1934, aos 90 anos pouco testemunhando o ascenso do seu prestígio de milagreiro. O único processo que respondeu foi religioso: no ano de 1889, em que ocorreu a denominada GRANDE SECA (que em 1915 e 1932 inspirou os campos de concentração no Ceará), durante uma missa celebrada pelo padre Cícero, a hóstia ministrada pelo sacerdote a beata MARIA DE ARAÚJO se transformou em sangue na boca da religiosa. Segundo relatos, tal fenômeno se repetiu diversas vezes durante cerca de dois anos. Uma comissão (a segunda) investigou o caso e concluiu que não houve milagre, mas sim um EMBUSTE. Cícero teve as ordens sacerdotais suspensas, mas não chegou a haver uma excomunhão[3].

Lula da Silva, por sua vez, foi condenado a nove anos de seis meses, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em um de mais de uma dezena de processos a que o petista responde na justiça, todos por corrupção. Mas ainda não está preso e não corre qualquer risco, como padre Cícero nunca correu, de ser fuzilado ou enforcado.




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[1] Romeu Tuma Júnior, no livro Assassinato de Reputações - um Crime de Estado

[2] Especial VEJA: Golbery do Couto e Silva, o conspirador da Casa da Borracha. Publicado na edição impressa de VEJA Golbery do Couto e Silva teve papel destacado no governo dos generais que gostavam dele — Castello e Geisel — e abandonou o de João Figueiredo, em 1981, por discordar da decisão do presidente de acobertar os terroristas de farda que se explodiram acidentalmente em um Puma no estacionamento […] Coluna de Augusto Nunes.

[3] Em 1898, padre Cícero foi a Roma, onde se reuniu com o Papa Leão XIII e com membros da Congregação do Santo Ofício, conseguindo sua absolvição. No entanto, ao retornar a Juazeiro, a decisão do Vaticano foi revista e padre Cícero teria sido excomungado. O que de fato não teria ocorrido, segundo pesquisa do bispo (do Crato) Dom Fernando Panico. Hoje há um processo aberto de reabilitação e de beatificação de padre Cícero.