A cada dia (não precisa dizer que passa porque não existe dia que fica ou que volta) vejo o bom, objetivo, respeitoso e mais ou menos impessoal jornalismo (impresso e eletrônico) ser agredido e empurrado na ladeira da mesmice descortês, da pobreza, sobretudo intelectual, e do engajamento (bem ao modelo Allende), que não cabe, é claro, na caixa do democrático coloquialismo. Mas não decorre tanto da invasão das novas mídias, por si só capazes de produzir a crise. Em pequena conta, talvez, dimane da formação produzida pela Internet. Muito mais provindo do domínio do discurso político das esquerdas, resultantes e defensores (salvo exceções) da rasa cultura, a título de um equivocado discurso igualitário e do politicamente correto.

A Globo perdeu o prumo e, ademais da aberta bandeira contra o governo Bolsonaro, excede no engajamento, na busca de tirar o prejuízo do baixo faturamento de governo. Alguns repórteres e/ou apresentadores, como Tadeu Schmidt (um gaiato sem graça), excedem também no “igualitário” coloquialismo chula, na contramão do “ethos” criado pela rede. Ele abre o programa Fantástico (e as chamadas) com a seguinte fala: “...pessoal, vamos apresentar” hoje ou logo mais, você vai ver”. Certamente, ele pensa que está falando com um comparsa de mesa de bar e que isso significa tratar por igual ou criar intimidade com o telespectador?

Pior é que o “estilo” coloquial rude, grosseiro começa a se espalhar. O secretário de saúde do Ceará, Carlos Roberto Martins Rodrigues, mais conhecido como Dr. Cabeto, começou uma entrevista recente, para falar do coronavírus, dizendo “pessoal, é preciso...”. Mas é no Bom Dia Ceará, da TV Verdes Mares, afiliada da Globo, que se vê o jornalismo mais sem esmero (melhor seria, com escracho), a título, parece, de assumir o “democrático” coloquialismo, ou seja, chegar ao linguajar do povo. O apresentador abre, ufano, gritando “bom dia meu povo, minha gente”. Depois solta seguidos vocativos, “pessoal, minha gente, meu amigo”. Ao encerrar a reportagem que apresenta com o repórter de uma região do Estado, manda abraços, beijos, lembranças para “o povo” do lugar. Já o apresentador do esporte, diz uma sequência de “enfins” entre gracejos que não são risíveis. Já contei 10 em uma sequência de fala. E há um repórter, que se mete a fazer reportagens engraçadas, que exagera ao se dirigir às pessoas que reúne para a reportagem com um “negada”. E nem preste atenção nos comentários de finais de reportagens, dos apresentadores; são, às mais das vezes, ridículos. Nota-se a diferença cruel quando sai do Bom Dia Ceará para o Bom Dia Brasil. O verbo é outro. O respeito também. A objetividade idem. E não deixa de ser uma apresentação coloquial e descontraída.

Foi a partir da década de 1990 que apareceu uma tendência geral à personalização dos apresentadores (Boris Casoy foi referência), provocando, assim, também uma mudança na própria retórica dos telejornais. Essa nova estratégia retórica sustenta-se na ênfase dada, agora, na construção do éthos dos apresentadores por meio de procedimentos determinados preliminarmente pelas estratégias enunciativas dos telejornais. Mas, nem os programas policiais, que trafegam em um éthos próprio, escorregam tanto. Sei que alguns apresentadores e repórteres usam algum linguajar policial e até erram denominando, às vezes, o detento ou acusado de “elemento” (mais adequado a produto químico), mas não há uma sequência de disparates e desrespeito ao telespectador.


Em verdade, a decadência é do veículo e do profissional, que não respeitam o espectador.