Cabe uma indagação antes de iniciarmos o rol que surpresas dessa campanha eleitoral 2020: dava para prever as novidades que se tornaram evidentes? Dava sim, ainda que fosse necessário um pouco mais de cuidado ao analisar o quadro e suas interferências, ou seja, as tendências sociais e circunstâncias interferentes em que iriam acontecer as escolhas eleitorais. A maioria embarcou no efeito “Bolsonaro”, que marcou fortemente o pleito anterior, dois anos antes, anabolizado pelas vicissitudes resultantes da pandemia da Covid-19.
Quase nenhum candidato teve o cuidado de tentar entender o que o eleitor queria, e até mesmos ou seus mágicos marqueteiros não atentaram em auscultar o grito surdo do eleitor. Apostaram que bastava trabalhar bem a Internet, ter um candidato novo, preferencialmente de pouco idade, e pregar a moralidade para tudo correr certo. Não saiu bem assim, o legado de Bolsonaro só passou pela metade e assim mesmo em doses incertas e imprecisas. Os dois anos de governo lhe corroeram algo na essência de sua mensagem. Não foi suficiente para restabelecer o reinado da mentira e da rapacidade da era Lula/Dilma, como alguns integrantes do grupo antigo (Luizianne e Elmano, por exemplo) acreditaram. Como Bolsonaro, Lula (e Dilma) também pouquíssimo influiu. A maioria escondeu Bolsonaro e muitos dos que lutaram para colocar o nome de Lula nas peças gráficas ou que colocaram vídeo dele na TV e na Internet constatam agora que (quase) nada valeu.
Poucos entenderam que o eleitor, em evolução, queria menos risco, queria mais experiência, mais competência, ou seja, um meio termo entre tudo que ele vivenciou nos dois anos da era de Bolsonaro e os desencontros da administração da Pandemia, que tantas vidas levou e que tantos sacrifícios exige.
O novo normal, em verdade, também afetou à transferência de voto dos caciques, que sempre ocorreu com fartura nos embates anteriores, mas desta vez não encontrou as circunstâncias adequadas para valer muito (vide caso Camilo Santana) em Fortaleza*, Maracanaú e Caucaia). Que eu lembre, abertamente, valeu em Salvador, onde o apoio de ACM Neto, do DEM, elegeu Bruno Reis, no primeiro turno. Em Teresina, o candidato Dr. Pessoa (MDB) vem desbancando mais de 30 anos de mando do PSDB de Kleber Montezuma, apoiado por Firmino Filho. Da mesma forma que Firmino não passou influência a Montezuma, o apoio do governador Welington Dias (PT) ao Dr. Pessoa foi vão.
Alguém pode lembrar o desempenho de dois penduricalhos de Lula da Silva, Guilherme Boulos, do PSOL, em São Paulo, e Manuela D’Ávila, do PCdoB, em Porto Alegre. Vale a lembrança, mas vamos acostar à dialética sustentada aqui, argumentos que eles, e outros menos notados, são rescaldos da urdidura resultante da luta entre as chamas extinguíveis do Lulismo versus o fogo-fátuo do Bolsonarismo. Já o caso do Recife está fora desse enquadramento. Trata-se apenas de um simples racha entre os herdeiros do clã Arrais: João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT). Boulos e Manuela são cinzas que sustentam algum calor que ainda aquecem segmentos remanescentes do “lulopetismo”, sobretudo que atuavam no entorno e cobravam mais coerência e atitudes mais radicais. Herdaram também operários, trabalhadores autônomos, jovens universitários e os tradicionais e ditos intelectuais e artistas que confundem o gênero musical, literário ou linguístico com o gênero de ideologia.
São produtos que estão pululando no mercado político, que se expressaram no mercado eleitoral. Vão se estabelecer de qualquer modo e ocupar a faixa deixada pelo “lulopetismo” no nosso mambembe sistema eleitoral.
* Fortaleza é um caso à parte. Camilo do PT não passou influência para Luizianne, a candidata do seu partido, o PT, da mesma forma que Lula também não passou. Mas Camilo tem dupla atuação eleitoral. É petista, lulista, dilmista, cirista/cidista e Roberto Claudio. No primeiro turno, calou com relação ao uso do seu nome no material gráfico de Luizianne, a candidata do seu partido, mas seu ex-secretário Élcio foi indicado vice de Sarto, do PDT de Ciro/Cid, e a primeiro dama Onélia integrou-se à campanha do sucessor de Roberto Cláudio. No segundo turno, declarou apoio ao candidato Sarto e convenceu seu PT a apoiar o candidato pedetista. Se há influência dele no desempenho eleitoral de Sarto, um ex-vereador e deputado estadual com 7 mandatos, mas nunca campeão de votos, está diluído na força do prefeito Roberto (bem avaliado) e dos Ferreira Gomes.