Tudo foi diferente nas eleições que se conclui neste domingo (29/11/2020), a começar pela data, definida pelo STE e confirmada pelo Parlamento. Claro que nem tudo aparece como surpreendente; algumas até eram cantadas muito antes das urnas, mas que muitas foram as surpresas não há como duvidar. Escrevo antes do resultado final de segundo turno porque não importa quem sair vencedor; os imprevistos já estão estabelecidos.

Cabe uma indagação antes de iniciarmos o rol que surpresas dessa campanha eleitoral 2020: dava para prever as novidades que se tornaram evidentes? Dava sim, ainda que fosse necessário um pouco mais de cuidado ao analisar o quadro e suas interferências, ou seja, as tendências sociais e circunstâncias interferentes em que iriam acontecer as escolhas eleitorais. A maioria embarcou no efeito “Bolsonaro”, que marcou fortemente o pleito anterior, dois anos antes, anabolizado pelas vicissitudes resultantes da pandemia da Covid-19. 

Quase nenhum candidato teve o cuidado de tentar entender o que o eleitor queria, e até mesmos ou seus mágicos marqueteiros não atentaram em auscultar o grito surdo do eleitor. Apostaram que bastava trabalhar bem a Internet, ter um candidato novo, preferencialmente de pouco idade, e pregar a moralidade para tudo correr certo. Não saiu bem assim, o legado de Bolsonaro só passou pela metade e assim mesmo em doses incertas e imprecisas. Os dois anos de governo lhe corroeram algo na essência de sua mensagem. Não foi suficiente para restabelecer o reinado da mentira e da rapacidade da era Lula/Dilma, como alguns integrantes do grupo antigo (Luizianne e Elmano, por exemplo) acreditaram. Como Bolsonaro, Lula (e Dilma) também pouquíssimo influiu. A maioria escondeu Bolsonaro e muitos dos que lutaram para colocar o nome de Lula nas peças gráficas ou que colocaram vídeo dele na TV e na Internet constatam agora que (quase) nada valeu. 

Poucos entenderam que o eleitor, em evolução, queria menos risco, queria mais experiência, mais competência, ou seja, um meio termo entre tudo que ele vivenciou nos dois anos da era de Bolsonaro e os desencontros da administração da Pandemia, que tantas vidas levou e que tantos sacrifícios exige. 

O novo normal, em verdade, também afetou à transferência de voto dos caciques, que sempre ocorreu com fartura nos embates anteriores, mas desta vez não encontrou as circunstâncias adequadas para valer muito (vide caso Camilo Santana) em Fortaleza*, Maracanaú e Caucaia). Que eu lembre, abertamente, valeu em Salvador, onde o apoio de ACM Neto, do DEM, elegeu Bruno Reis, no primeiro turno. Em Teresina, o candidato Dr. Pessoa (MDB) vem desbancando mais de 30 anos de mando do PSDB de Kleber Montezuma, apoiado por Firmino Filho. Da mesma forma que Firmino não passou influência a Montezuma, o apoio do governador Welington Dias (PT) ao Dr. Pessoa foi vão. 

Alguém pode lembrar o desempenho de dois penduricalhos de Lula da Silva, Guilherme Boulos, do PSOL, em São Paulo, e Manuela D’Ávila, do PCdoB, em Porto Alegre. Vale a lembrança, mas vamos acostar à dialética sustentada aqui, argumentos que eles, e outros menos notados, são rescaldos da urdidura resultante da luta entre as chamas extinguíveis do Lulismo versus o fogo-fátuo do Bolsonarismo. Já o caso do Recife está fora desse enquadramento. Trata-se apenas de um simples racha entre os herdeiros do clã Arrais: João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT). Boulos e Manuela são cinzas que sustentam algum calor que ainda aquecem segmentos remanescentes do “lulopetismo”, sobretudo que atuavam no entorno e cobravam mais coerência e atitudes mais radicais. Herdaram também operários, trabalhadores autônomos, jovens universitários e os tradicionais e ditos intelectuais e artistas que confundem o gênero musical, literário ou linguístico com o gênero de ideologia. 

São produtos que estão pululando no mercado político, que se expressaram no mercado eleitoral. Vão se estabelecer de qualquer modo e ocupar a faixa deixada pelo “lulopetismo” no nosso mambembe sistema eleitoral. 


* Fortaleza é um caso à parte. Camilo do PT não passou influência para Luizianne, a candidata do seu partido, o PT, da mesma forma que Lula também não passou. Mas Camilo tem dupla atuação eleitoral. É petista, lulista, dilmista, cirista/cidista e Roberto Claudio. No primeiro turno, calou com relação ao uso do seu nome no material gráfico de Luizianne, a candidata do seu partido, mas seu ex-secretário Élcio foi indicado vice de Sarto, do PDT de Ciro/Cid, e a primeiro dama Onélia integrou-se à campanha do sucessor de Roberto Cláudio. No segundo turno, declarou apoio ao candidato Sarto e convenceu seu PT a apoiar o candidato pedetista. Se há influência dele no desempenho eleitoral de Sarto, um ex-vereador e deputado estadual com 7 mandatos, mas nunca campeão de votos, está diluído na força do prefeito Roberto (bem avaliado) e dos Ferreira Gomes.