Porra!(*) Perdoe o uso do substantivo feminino, mas faço aqui a utilização como interjeição porque não vejo nada mais adequado para expressar o sentimento de inconformismo, revolta mesmo com essa pandemia da Covid-19. Não suporto mais passar o dia desviando de pessoas, usando uma máscara incômoda, passando álcool nas mãos o tempo todo (já tenho medo também de isqueiro e caixa de fósforo). Pedindo as pessoas, nem sempre compreensivas, que mantenham a distância e deixem-nos ficar fora do risco de atropelamento por pedestre. E quando a noite toma conta, na hora de dormir, nos recolhemos escondendo o medo de que podemos ter pego a desgraçada e vir a despertar na madrugada sem ar, com febre, dor de cabeça e garganta ruim. Quando desperto, no meio da noite, para ir ao banheiro, ficou apurando o faro e bebo algo para ver se ainda sinto cheiro e o sabor do que coloco na boca. E aí, algumas vezes, demoro a retomar o sono, tomado pelo apavorante cenário de ir para um hospital para ser entubado (tenho comorbidades). Nem cogito a fila de espera por uma vaga de leito na UTI.

Vivemos com medo. Somos reféns do medo. O medo se entranha em nossas vidas em todos os momentos, até mesmo nas decisões, às mais das vezes, erradas, dos governantes boquirrotos que repetem exaustivamente que estão nos protegendo. Tudo uma grande mentira. Tudo faz parte de um circo de horrores, que tomou conta da disputa de poder no mundo e mais ainda da nossa aldeia Tupiniquim(*). Por isso, vale o desabafo, Chega, Porra! Não suporto mais, estou estressado. Não beijo minha mulher, não beijo meu neto, não abraço meus irmãos e amigos e já até me descobri de máscara abrindo o chuveiro. E agora, com o toque de recolher, me sinto em um estado de guerra, só falta transformar a cidade em que moro em um gueto(*), no melhor modelo da era do hitlerismo. O arame farpado ainda não foi estirado em torno do grande povoamento, mas a polícia está rondando, menos na hora do assalto ou de quando o entregador, no chamado delivery, foge com a comida (caso que aconteceu comigo com um entregador da Uber Eats).

Se as diversas cepas do vírus vão impor ao mundo menor e ferido uma nova e melhor forma de convívio e organização econômica e social ninguém nega, até já escrevi sobre isso no artigo “O mundo solidário”(*). Mas o “vai passar” está se arrastando e deixando marcas mais profundas e, entre as maiores, estão os medos, as incertezas, agonias e dores, que certamente vão arrefecer os ganhos que serão legados.

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(*) Porra: substantivo feminino que significa fragmento de madeira; porrete.

Uso Vulgar(pej): O órgão sexual masculino; pênis. Pej. Líquido de coloração esbranquiçada (semelhante ao branco) que, possuindo espermatozoides, é secretado pelas glândulas genitais masculinas; esperma.

Uso Informal: o que é considerado excessivamente ruim; porcaria.

Uso antigo: arma feita com um pedaço de madeira grossa cuja ponta redonda é reforçada com ferro.

Interjeição: expressão utilizada para assinalar surpresa, sofrimento ou insatisfação.

(*) Tupiniquim – (substantivo masculino e feminino) indígena dos Tupiniquins e adjetivo masculino e feminino: relativo aos Tupiniquins, antiga nação de índios brasileiros, no território da Bahia.

(*) Gueto - (substantivo masculino) me faz recordar das imagens de horror, por exemplo, do Gueto de Varsóvia que foi o maior, em referência aos judeus, estabelecido pela Alemanha Nazista, na Polônia, durante o Holocausto, ao tempo da Segunda Guerra Mundial. Centenas de pessoas morriam todo dia, o que resultou na chamada Revolta do Gueto de Varsóvia, a primeira insurreição massiva contra a ocupação nazista na Europa. Sentimento que começa a invadir a todos nós.

(*) O mundo solidário, artigo publicado no site do Escritor Erivelto de Sousa (eriveltodesousa.com.br) ou no blog eriveltodesousa.blogspot.com.

“Um novo mundo que vai incluir transformações no espaço de convivência das pessoas e das cidades, no relacionamento entre pessoas e nações, na saúde, higiene, na desigualdade, e, mais ainda, na vigilância, o que assusta, porque já estão em curso tecnologias cada vez mais sofisticadas para rastrear, monitorar e manipular pessoas”.