Sobre a prisão do Deputado Federal Daniel Silveira escreve o jornalista Augusto Nunes, que tenho o prazer de reproduzir por representar um aporte perfeito, não acrescentando uma vírgula.

“Lembrei-me do que disse o escritor brasileiro Eduardo Alves da Costa, num texto, equivocadamente atribuído a escritor russo Vladímir Maiakóvski (1893-1930)":

“Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.

Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada(*).

Não é isso que está acontecendo?

Vejamos:

Primeiro, o Toffoli cria o “inquérito do fim do mundo”, não disseram nada.

Segundo, o Alexandre de Moraes anula o ato, privativo do Presidente, nomeando o Diretor da Polícia Federal, e não disseram nada.

Terceiro, o Alexandre manda prender o jornalista Oswaldo Eustáquio, que acabou ficando paraplégico, na prisão, e não disseram nada.

Quarto, o Alexandre manda prender um deputado federal, por suas palavras, contra alguns ministros do STF, desconhecendo disposição expressa no Art. 53, da CF, e, ao que parece, a Câmara caminha para referendar esse absurdo e não dirão nada.

Quinto, diante disso o próximo ato do Alexandre será mandar prender o Senador Kajuru, pelas palavras contra o Gilmar Mendes, e o Senado também o referendará e não dirão nada.

E aí meus caros, se concretizará a ditadura do STF e será tarde para reclamarmos o fim do nosso Estado Democrático de Direito.

Quem viver verá...


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Aporte meu, para completar a informação:

O POEMA COMPLETO


(*) Veja o poema integral do escritor Eduardo Alves da Costa:

No caminho, com Maiakóvski


Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.

Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.

Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.

Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.

Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.

No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.

Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.

A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne a aparecer no balcão.

Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.

Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.

Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.

Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita – MENTIRA!

A CASA TOMADA

No artigo “Não pisarão no meu jardim”, de Teresa Azambuya (publicado em 23/08/2017 às 15h31), ela aborda outro texto, do escritor argentino, Júlio Cortázar “A casa tomada”. Diz ela, “é também, um texto primoroso, publicado no igualmente primoroso livro Bestiário, em 1951. O narrador e sua irmã, Irene, vivem sozinhos numa imensa casa. Certo dia, ele ouve um barulho e fecha uma grande porta, passando a viver com a irmã na metade que restou da residência”. Mais tarde, o narrador percebe novos ruídos, “notando claramente que eram deste lado da porta de carvalho, na cozinha e no banheiro, ou mesmo no corredor, onde começava o cotovelo quase ao nosso lado”. Então, “apertei o braço de Irene e a fiz correr comigo até a porta, sem olhar para trás” (Cortázar, 1986, p.17). Quando o narrador foge com sua irmã “sem olhar para trás”, e ao concluir que “Pode-se viver sem pensar” (p.16).

A temática guarda semelhanças, ainda que o texto do Cortázar nada tenha do poema do escritor Eduardo Alves da Costa e, verdadeiramente, tenha se inspirado em produção semelhante do genial Edgar Allan Poe (nascido em Boston, Massachusetts (EUA) em 19/01/1809. Morreu em 07/10/1849), em “A queda da casa de Usher”. O argentino pode também ter refletido o contexto histórico-social da época de ditadura de Juan Domingo Peron (Lobos, 8/10/1895, Buenos Aires. Morreu em 1/7/1974), com a perseguição política que viveu, tendo que ser exilado em Paris.

A QUEDA DA CASA DE USHER

É bem característico do estilo do autor. As personagens de Poe aparecem de forma doentias, obsessivas, fascinadas pela morte, vocacionadas para o crime, seres que oscilam entre a lucidez e a loucura. No conto, Poe mostra um tom emocional, especificamente os sentimentos de medo, desgraça e culpa.

(…) sinto que chegará logo o momento em que deverei abandonar, ao mesmo tempo, a vida e a razão, em alguma luta com o horrendo fantasma: o medo. (Poe, 1981, p.13).

A casa do amigo Roderick Usher, narrada por Allan Poe, como a de Júlio Cortázar, também é dividida ao meio, não por uma porta de carvalho, mas por uma rachadura, formando duas metades complementares. Daí ser possível supor que a casa, a “metade real”, por estar refletida no pântano, que forma a “metade simbólica”, está fadada a desaparecer, pois o pântano é justamente um lago morto, em que nada mais cresce – o reflexo na água é uma espécie de premonição. O pântano
constitui a “metade morta” que se opõe à “metade viva” da casa, que seria a vegetação dos canteiros, sinônimo de vitalidade, que, assim como os gêmeos, resiste em terreno hostil.