Nicolás Maduro e Lula nunca tiveram qualquer desentendimento

Maria Corina Machado e o candidato Edmundo Gonzalez Urrutia

Um filme encenado com desvelo. Todos os atores desempenharam bem os seus papéis e a produção cuidou primorosamente dos meios. O resultado foi um plano exitoso, dirigido pelo ditador da Venezuela. No passado, o uso para “vencer” uma eleição era o mapeamento (entre outros, do velho coronelismo). Hoje, com a tecnologia na ponta dos dedos, é preciso apenas um algoritmo para cumprir a programação, mantendo alguém na frente ou atrás com a margem determinada pelos operadores, ou seja, fazer a vitória ou a derrota.

Mas não basta manipular os números. É preciso também ter narrativas, para reduzir a pressão contrária e convencer possíveis aliados. As narrativas são criadas, encenadas e vão para os meios de comunicação. Só para recordar, é o caso do bate-boca entre Maduro e Lula. O ditador Maduro disse “temer um banho de sangue no país se ele não for reeleito”. Foi a deixa. Lula da Silva, aliado de todas as horas, soltou, sua narrativa, parecendo que endurecia o jogo.
- Maduro tem de entender que quem ganha fica, quem perde sai. Depois fechou sua parte dizendo “que elejam o presidente que quiserem”, lavando as mãos, como Pilatos.

E o ditador seguiu fazendo um joguinho com maestria. Ora endurecia, ora parecia mais flexível e até com medo da derrota. Entre uma nota e outra, na discussão com Lula, dizendo que ele deveria tomar chá da camomila se tivesse ficado assustado com o seu discurso, Maduro compôs o enredo da trama, tudo bem combinado. O dever de casa, também. Os observadores de outros países foram impedidos de entrar no país para acompanhar a votação e as fronteiras foram fechadas. No dia voto, domingo, dia 28, Nicolás Maduro baixou o tom, fingindo humildade, e falou que quem ganhasse levaria. Só que estava tudo montado nas urnas, lá, como aqui. O maior esforço foi disfarçar a violência nas diversas regiões. Mas, em Caracas, o movimento foi normal, com alguns casos que escaparam, mas tudo mesmo aconteceria depois de encerradas as urnas, lá, como aqui.

O CNE (o TSE de lá) assumiu o controle. Ninguém podia ver a apuração. Não tinha parciais. Tudo seria anunciado no final, quando o CNE definisse. As denúncias começaram a rolar. Por mais que forçasse, Maria Corina Machado, ex-deputada e principal apoiadora do candidato Edmundo Gonzalez Urrutia, só conseguiu registrar uma reclamação de sumiço de mapas de votação. Só obteve uma resposta: uma ameaça de processo por violação do sistema eleitoral.

Nada importava e nem tirava Maduro de sua certeza. Ainda na manhã do domingo montou o local da comemoração da vitória. Nas ruas, o comentário e os resultados das pesquisas de boca de urna davam vitória a Edmundo Urrutia com larga margem de maioria de votos. Tanto era assim que Nicolás Maduro, e seu rival da oposição, Edmundo González, reivindicaram vitória nas eleições presidenciais.

Pouco depois da meia-noite em Caracas, mais de uma da madrugada no Brasil, foi escrito o roteiro final da farsa: o presidente do CNE, Luiz Roberto Liza Curi (o Alexandre de Moraes venezuelano), anunciou que Maduro conquistou um terceiro mandato com 51% dos votos.

Acontecera o que já era esperado, desde o que começou a apuração. González Urrutia afirmou aos seus apoiadores que regras foram violadas no dia da votação. “Esses resultados são, no mínimo, suspeitos”.

A ex-deputada Maria Corina Machado disse que "ganhamos em todos os Estados do país e sabemos o que aconteceu hoje. Cem por cento das atas que o CNE transmitiu nós temos e toda essa informação aponta que Edmundo obteve 70% dos votos".

Os protestos vieram de imediato. O presidente argentino, Javier Milei, chamou o resultado oficial de fraude, enquanto a Costa Rica e o Peru o rejeitaram e o Chile disse que não aceitaria nenhum resultado que não fosse verificável.

O presidente do Chile, Gabriel Boric, de esquerda, mas crítico de Maduro, disse que não reconhecerá "nenhum resultado que não seja verificável". Já o ministro das Relações Exteriores da Colômbia, Luis Gilberto Murillo, afirmou que é fundamental que sejam ouvidas "todas as vozes de todos os setores". Mesma atitude teve o ministro das Relações Exteriores da Espanha, José Manuel Albares, que disse que os detalhes de todas as seções eleitorais deveriam ser apresentados para garantir resultados totalmente verificáveis.

O outro lado, que congrega os comunistas - Rússia, China, Cuba, Honduras e Bolívia –, aplaudiram a vitória de Maduro. O ditador Maduro agradeceu as felicitações dos amigos, mas
 rompeu as relações diplomáticas com os países que pediram a verificação das atas de votos, e chamou todos os embaixadores de volta ao país.

O Brasil está correndo por fora. Conseguiu enviar o embaixador aposentado Celso Amorim, assessor especial da presidência para relações exteriores, para observar a votação, com risco de fraude e atos violentos. Amorim foi recebido e passou cerca de uma hora conversando com o presidente da Venezuela, e deve permanecer no país até terça-feira, 30, realizando discussões sobre o processo eleitoral. Segundo relato, houve um momento de tensão entre Amorim e Maduro porque o enviado por Lula pediu que fossem liberadas as atas da votação presidencial (equivale ao nosso boletim de urna) para legitimar o processo. Sem uma prova legítima, Amorim diz que não emite seu parecer.

O que é fato é que a totalização dos votos não chegou ao final. Houve um período de tempo em que o CNE ficou fora do ar, sem qualquer contato. A prova é que Maduro foi dado como vencedor com apenas 80 % dos votos apurados. Essa totalização até agora não foi feita e alguns servidores do CNE falam até de ataque de hacker. A farsa foi bem montada, mas o desfecho é inconcebível.