Nunca pensei que o mal da propina, que grassa em todo os ambientes da administração pública brasileira, principalmente, mas não dispensa a área privada, cada dia mais minado por essa deletéria conduta, chegasse ao ponto de acontecer como uma tsunami entre os próprios candidatos e coordenadores das campanhas eleitorais. Seria quase como se fosse tirar recursos de um bolso para colocar no outro. Ou seria apenas para não perder o costume? Sou do meio e já vi muita coisa. Vi filho de candidato pegando propina de produtora que ele mesmo pagava. Vi sócio e coordenador de campanha subindo preços de material para pegar a diferença. Vi o próprio candidato guardar a doação de caixa dois, com a alegação de que, depois, sempre aparecem algumas despesas. 
É assombroso o procedimento e a gente fica a indagar como seria o “modus operandi” na administração pública daquele nocivo grupo. É cruel, mas chegou ao meu conhecimento que em determinada coordenação de campanha uma produtora teve de subir seu orçamento para fazer “retorno” de 30% para o negociador. Não revelo o nome (só no pessoal) porque o propinoduto corriqueiramente não deixa provas. Por isso, apesar da divergência entre juristas, vale utilizar, como no caso do mensalão, a teoria do domínio do fato[1].

Mesmo revelando o “milagre” e não o “santo” que o realizou, é possível ao eleitor tirar suas conclusões e dar um rosto ao indigitado anônimo. É deplorável que tal procedimento aconteça (e é fato: aconteceu e vai continuar acontecendo). Mas o que mais me assusta é saber que autor e coautor têm chances de fazerem parte do futuro governo do Ceará, porquanto estão na estrutura de uma candidatura com reais possibilidades de vencer a corrida eleitoral, o que me levou a fazer a reflexão, a seguir, que divido com você.

Confesso que é a primeira vez, como eleitor, que estou irresoluto quanto à escolha do próximo governador do Ceará. E você pode arguir que é cedo para formar uma ideia, porquanto nem tão conhecidos são os postulantes ao trono maior da hierarquia político-administrativa do Estado. Pode ser, mas para o eleitor distanciado da arena em que acontecem os mais inusitados lances da pugna – a grande maioria. Não é o meu caso. Sou do meio há muito tempo e conheço o campo da disputa, as regras a que ela está sujeita, até os lances transgressivos para ganhar (ou enganar) a preferência do eleitor. Conheço, também, a vida e a origem pública de cada um dos postulantes, a trajetória deles, vícios e a postura ética e ideológica, se é que solidamente as têm.



É que desta vez a apuração, entre representantes partidários, de candidatos, apresentados como alternativas ao eleitor, para a escolha de quem seria o representante a governar o Ceará, foi a mais pobre da história que consigo recordar. A sociedade, no seu isolamento participativo, e os partidos – e seus integrantes –, fechados nos seus esconsos interesses personalistas, esterilizaram o processo. O resultado são quatro candidaturas sem identidade com o eleitor. Confira um mini currículo de cada um e comentários sobre a vida política dos quatro candidatos, pois pode ser que esse exercício de pesquisa e análise que ora faço sirva também a você:







PSOL


Ailton Lopes é bancário e professor de português e espanhol. Nasceu em Pau dos Ferros (RN) e ocupa espaço político na oposição bancária e no movimento de diversidade sexual. Iniciou sua militância na Pastoral de Juventude e participou do movimento estudantil da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Foi filiado ao PT, mas rompeu, alegando discordar das diretrizes da legenda. Pelo PSOL, foi candidato a deputado estadual em 2006 e a vereador de Fortaleza em 2008.

E é só isso. Faz campanha entre os seus e para os seus.









PSB


Economista, deputada estadual, ex-vereadora, nascida em Fortaleza, Eliane Novais é irmã do ex-deputado Sérgio Novais, que entregou o PSB ao clã Gomes em troca de cargos nas esferas federal e estadual. Cumprido o papel, Sérgio Novais e o PSB foram descartados pelo clã Gomes, que tinha interesse pessoal na manutenção da aliança com o PT de Dilma e de Lula. O PSB voltou ao tamanho que era, apesar de ter um candidato a presidente – o pernambucano Eduardo Campos. 

Eliane é ainda servidora estadual pertencente aos quadros da Secretaria de Infraestrutura do Estado (Seinfra) e, em 2007, assumiu a Diretoria de Gestão Empresarial da Companhia de Água e Esgoto do Ceará - a Cagece, que é o berço e confere a dimensão dos Novais. Eliane é candidata porque não tinha chance de renovar seu mandato. Os Novais sempre foram de poucos votos e agora só o partido teria dificuldades para atingir o cociente eleitoral, em torno de 180 mil votos. Para ser candidata, em parceria com o irmão, Eliane derrubou a empresária Nicole Barbosa, que, ingenuamente, acreditou que poderia ser a candidata do PSB (e seria muito melhor) ao governo do Ceará e fez uma pré-campanha de quase três meses. 

Apesar de Eduardo Campos, os Novais não vão passar muito do tamanho que sempre tiveram.






PARA O CEARA SEGUIR MUDANDO (PRB / PP / PDT / PT / PTB / PSL / PRTB / PHS / PMN / PTC / PV / PEN / PPL / PSD / PC do B / PT do B / SD / PROS)


O novel candidato do PT, Camilo Santana, é natural do município do Crato, no Ceará, é servidor do Ibama e engenheiro agrônomo (UFC) com mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Carrega uma bagagem política muito breve. Começou no movimento estudantil e concorreu pela primeira vez a um cargo eletivo em 2000, quando foi derrotado na disputa da Prefeitura de Barbalha. Tentou uma segunda vez, mas ficou em segundo lugar. Em 2007, primeiro mandato de Cid Gomes no governo do Ceará, foi nomeado Secretário do Desenvolvimento Agrário, permanecendo no cargo por três anos. Em 2010, foi candidato a Deputado Estadual, terminando a eleição (131.171 votos) como o mais votado do Ceará ao cargo. Deixou a Assembleia para ser secretário das Cidades até setembro do ano passado. Deixou o cargo em meio a um escândalo denunciado, em sua secretaria, envolvendo a construção de banheiros nas casas de baixa renda na zona rural. Por conta do escândalo, o Ministério Público do Ceará denunciou 36 pessoas. Camilo é um deles (veja matéria completa sobre o assunto no (http://www.opovo.com.br/app/politica/2012/09/27/noticiaspoliticas,2927499/mpe-denuncia-35-pessoas-por-envolvimento-no-escandalo-dos-banheiros.shtml).

Camilo Santana está há 13 anos no PT e integra a ala da legenda subordinada ao clã Gomes. Filho do aposentado como ex-deputado Eudoro Santana, condenado pela Justiça a devolver dinheiro (de superfaturamento) ainda da época da construção do Castanhão. Foi também presidente do DNOCS. Por sua estreita ligação a Cid Gomes, em 2012, Camilo chegou a ser cotado para ser candidato à Prefeitura Municipal de Fortaleza. Este ano (2014), foi indicado pelo clã depois de exaustivas negociações, quando corria por fora da relação dos prováveis nomes (todos dos PROS, partido do governador) para a escolha do candidato. O que ficou do discurso é que ele foi escolhido como antídoto para barrar a candidatura ao Senado do também petista Zé Guimarães, irmão de presidiário Zé Genoíno, tida como desastrosa. Mas há quem diga que ele foi apenas escondido para não ser queimado, mas que era, desde o início, o nome do clã. Mas, nas extensas negociações para a escolha, TCE e TCM foram usadas como moeda de troca, o que já rendeu um cargo vitalício para o vice Domingos Filho (PROS), um dos descartados para concorrer ao governo, talvez o maior óbice para os planos do clã, gerando até o aborto de uma desejada candidatura de Cid Gomes ao Senado, todavia, o governador não pôde renunciar, pela recusa do vice de também sair, porque não precisava.

Camilo Santana representa o "status quo". Seria, assim, uma ponte de sobrevivência e de volta efetiva, em curto prazo, ao poder do clã Gomes no Ceará, que se mantém em alta desde o início da década de 1990, afinal só dois integrantes do clã chegaram ao governo do Ceará e são cinco, só os irmãos.






CEARÁ DE TODOS (PMDB / PSC / DEM / PSDC / PRP / PSDB / PR / PTN / PPS)


Eunício Oliveira (PMDB), natural de Lavras da Mangabeira e formado em Administração de Empresas e Ciências Políticas pelo Centro Unificado de Brasília (Sul do Ceará), é senador da República, empresário e líder do partido no Senado. Aliado dos Gomes desde 2006, uma parceria que se revelou forte na reeleição de Cid Gomes, quando Eunício, com 3 mandatos de deputado federal, postulou uma das duas vagas ao Senado (a outra vaga coube ao então deputado federal petista Zé Pimentel. Eunício foi o mais votado, seguido de Pimentel, causando a surpreendente derrota do candidato tucano, Tasso Jereissati, agora aliado de Eunício Oliveira e novamente candidato à única vaga ao Senado. Nos últimos meses, o peemedebista revelou sua vontade de concorrer ao governo, produzindo diferenças com o clã Gomes, que tinha outra ideia, o que resultou no rompimento de uma estreita e afinada parceria.

Eunício Oliveira exerceu 3 mandatos de deputado federal, foi ministro das Comunicações do Governo Lula e cumpriu o primeiro quadriênio do mandato de senador. Começou sua vida política (e financeira, bem sucedida) pelas mãos do sogro, ex-deputado federal Paes de Andrade (está aposentado e mora em Brasília). Foi Paes quem o introduziu como fornecedor de serviços de limpeza e de segurança quando era deputado federal de prestígio, chegando a ser presidente da Câmara e presidente da República interino. Como presidente da Câmara e interino presidente da República, Paes de Andrade assinou a ordem de serviço para a construção do Açude Castanhão e fez, em seguida, uma espalhafatosa visita à sua cidade natal, Monsenhor Tabosa. Desde que foi introduzido pelo sogro no serviço público federal, Eunício só cresceu e até diversificou seus negócios de limpeza e, sobretudo, de segurança privada. 

Quando ministro das Comunicações chegou a ser alvo de algumas acusações de que estaria ganhando algumas concessões de emissoras de rádio do Interior do Ceará, usando um jornalista como laranja. O assunto não prosperou, mas é fato que Eunício, pode até estar em nome de outros, é mesmo dono de rádios em Juazeiro do Norte, em Crateús e em diversos outros municípios. Do final de junho até meados de julho de 2011, Eunício foi outra vez alvo de denuncias. Foi acusado de estar fazendo contratos com a Petrobras sem licitação. A denúncia, presente em todos os jornais de circulação nacional, apontava que o senador, recém-eleito, entre fevereiro de 2010 e junho de 2011, conforme documentos, fechara oito contratos seguidos de sua empresa, a Manchester Serviços Ltda. (que tem sede em Brasília mais instalou filial em Macaé), sem licitação com a Petrobras, que somavam R$ 57 milhões, para atuar, terceirizando trabalhadores para a estatal na bacia de Campos. O caso ainda hoje não foi devidamente esclarecido, mas está sob sigilo e caiu no esquecimento, depois de desfeitos os contratos entre Manchester e Petrobras. Veja, a seguir, trecho da matéria publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, em 13/07/2011.

O senador Eunício Oliveira (PMDB) é proprietário de uma empresa que assinou contrato com a Petrobras "fruto de uma licitação de R$ 300 milhões fraudada em março deste ano [2011]", noticiou o jornal "O Estado de S.Paulo" em 13.jul.2011. A fraude, segundo o "Estado", foi que a Manchester Serviços Ltda. soube com antecedência quais seriam suas concorrentes no pregão. "De posse dessas informações, procurou empresas para fazer acordo e ganhar o contrato", informou o jornal em texto de 9.jul.2011. Nessa ocasião, o jornal informou que o contrato ainda não havia sido assinado.

Veja mais detalhes desse assunto nos links:

http://noticias.uol.com.br/politica/escandalos-no-congresso/empresa-de-eunicio-pmdb-ce-e-suspeita-de-fraude-de-r-300-milhoes.htm

http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,empresa-de-senador-leva-r-57-milhoes-da-petrobras-em-contratos-sem-licitacao,739925


É com essa “vasta experiência” que o senador Eunício Oliveira, montado em um arco razoável de alianças, com a incipiente oposição política do Ceará, quer conquistar o governo do Ceará. Nas pesquisas publicadas até agora Eunício tem sempre aparecido com larga vantagem na preferência dos eleitores, mas os números atuais devem, ainda, sofrer alterações, não produzindo, portanto, um sentimento de favoritismo nas hostes do peemedebista. 
Tem vacilado na conduta política nacional. Ora daria apoio ao tucano Aécio Neves, ora manteria sua aliança (quebrada) com os petistas Dilma Rousseff e Lula da Silva, já definitivamente no palanque do seu adversário, Camilo Santana, que é do PT.

Não representa um novo projeto de governo, mas quiçá uma alternativa que não se sabe aonde conduz. o se consagra, portanto, como um candidato de oposição, mas como um candidato alternativo, sem identidade própria, apesar de ter ao lado a maioria da oposição.


Depois desse conhecimento básico, fique atento mais detalhes sobre a história de vida de cada candidato. Também é fundamental prestar atenção nas atitude e no que diz cada um deles durante a campanha, que submete todos os postulantes a emoções fortes. Depois de tudo, decida-se escolhendo um deles, mesmo que a oferta não lhe satisfaça, como também não satisfaz a mim. 


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[1] Os princípios da teoria do domínio do fato são complementares aos postulados da teoria da imputação objetiva. Assim, nada impede que seja propiciado tratamento mais adequado e unívoco aos supostos da codelinquência. Fala-se em concurso de agentes quando várias pessoas cooperam para a realização da infração penal. É o chamado concurso de delinquentes. Para a sua configuração não é necessário que haja prévio ajuste de vontades entre autor, coautor ou partícipe, sendo suficiente que todos queiram alcançar o mesmo resultado.