Ainda sobre o desvio de conduta do brasileiro, revelo uma infração que me dá muita revolta: o descarado cidadão e/ou a descarada cidadã que coloca o carro na vaga reservada aos idosos, às grávidas e deficientes. São pessoas desonestas e capazes de tudo. Como a ética é "reflexão prévia" tal ação revela o ladrão, só ainda não identificado como tal por falta de oportunidade ou, quem sabe, de acusação.

Abordo, aprofundando o tema que ficou fora da nossa apreciação as outras situações que favoreceram à proliferação de pessoas portadoras desse desvio de conduta ou, melhor ainda, desonestas. O patrimonialismo é nossa herança portuguesa. Conheci algumas pessoas que costumavam misturar o dinheiro público com o dele e depois não sabiam separar. É difícil.

O certo é não misturar ou até mesmo nem pegar no dinheiro público, assim, evita-se o sacrifício de uma decisão ética. Imagine isso em volumes grandes como no caso do "rolo" que prometeu o ex-governador Cid Gomes, na conversa com o empresário Pio Rodrigues Rolim. Registre-se até que no caso das desapropriações não se tem informações, mas nos casos dos TATUZÕES pedidos euforicamente por Pio Rodrigues, sabe-se que quatro foram comprados por R$ 180 milhões. Mais R$ 85 milhões teriam de ser gastos com geradores de energia para as quatro tuneladoras.

As máquinas apodrecem em depósitos de obras do Estado. O caso de inversão do privado pelo público é investigado há anos, porquanto faz parte de uma obra (VLT Leste) que estava estimada em R$ 2,2 bilhões. Quase nada foi feito, mas os canteiros ainda existem atrapalhando o trânsito. (Veja vídeo de 02/07/2016 denunciando o fato no link http://g1.globo.com/ceara/noticia/2016/07/tatuzoes-do-metro-de-fortaleza-se-deterioram-sem-manutencao.html).

Retomo o assunto das causas da desonestidade do brasileiro, ademais do patrimonialismo, fazendo um despretensioso e sintético relato do governo bolchevique na extinta União Soviética, aproveitando a análise de Vladimir Ilyich Ulyanov, conhecido como Lênin, o líder maior do governo revolucionário estabelecido. O objetivo é que o passado imitado forneça elementos para mais explicações dos desvios de condutas.

Ao longo do tempo em que se estabelecia o governo comunista que se instalara definitivamente em 07 de novembro de 1917, Lênin, já um homem doente e amargurado, mostrava, sem dúvida, nos seus textos, que considerava a "nova classe dominante incompetente, inculta, prepotente e presunçosa. O problema, contudo, era como combater esta burocracia (no caso brasileiro, aparelhismo) que tomava conta de tudo, inclusive de seu partido". 

Revelam os estudiosos da marxismo que no final de sua vida Lênin via que o poder, na realidade deslizava para as mãos de um inimigo que, pouco antes da tomada do poder, julgara ser característico das sociedades capitalistas e muito fácil de ser eliminado numa sociedade em que a burguesia fosse afastada do poder político. Uma ironia para quem dissera em fins de 1918 que: "Nós reservamos o poder do Estado para nós mesmos e somente para nós".[1]

Lendo sobre a União Soviética do pós 1ª. GM, quando caiu a o Czarismo e começou a ser instalado o novo governo, primeiro dividido entre os  mencheviques (minoria), os anarquistas, de outros socialistas e dos liberais burgueses, depois só com os bolcheviques já sob o comando de Lênin, percebe-se que o próprio líder afirmava que a conquista do poder não resultara de uma revolução proletária. Fora produto de uma ação audaciosa, de um golpe dirigido por um partido que contava, para a derrubada do regime de Alexander Kerensky (primeiro, ministro do príncipe Lvov e governante já num regime republicano), sobretudo com o apoio ativo da guarnição militar de Petrogrado, dos marinheiros e da Guarda Vermelha.

O país, desde a instalação do governo provisório (fevereiro de 1917) vivia um caos que era  aproveitado pelas elites industriais e financeiras, que dominavam o mercado e os preços. Como ainda hoje, financiavam o governo e também aos opositores mais radicais -os bolcheviques- como salvaguarda futura. Uma hipocrisia que não muda. Um lado se vangloriava de que "tinha dinheiro suficiente para me dar ao luxo de sustentar até mesmo meus inimigos". O outro, com Lênin pregava que "eu pegaria o dinheiro do Diabo, se preciso, para servir à revolução".

Como aportou o professor Leôncio Martins Rodrigues, em seu trabalho, alguns aspectos do regime soviético (CULTO DA PERSONALIDADE, VIOLAÇÃO DA LEGALIDADE SOCIALISTA, BUROCRATISMO, INEFICIÊNCIA ECONÔMICA, CORRUPÇÃO ETC.) estavam presentes desde os primeiros meses da tomada do poder pelos bolcheviques. Dá para estabelecer um paralelo ou é esticar muito a corda?


[1] QUESTÕES DA DEMOCRACIA E DO SOCIALISMO - Lênin: o partido, o Estado e a burocracia, palestra proferida pelo Prof. de Ciência Política USP/UNICAMP, Leôncio Martins Rodrigues, no Seminário "Os 70 anos da Revolução Russa", sob patrocínio da Fundação Wilson Pinheiro - Faculdade de Direito da USP, 15 de novembro de 1987.