Tenho percebido o aumento incrível das situações de corrupção, furtos, roubos e assaltos, mediante violência ou não, por todo o Brasil, aproveitando qualquer oportunidade, na melhor definição da lei de Gerson, de que o brasileiro não desperdiça vantagens. São os milhões de motorista que passam sem pagar no pedágio (http://noticias.r7.com/sp-no-ar/videos/motorista-passa-por-pedagio-sem-pagar-e-debocha-pratica-e-comum-16102015). São os transeuntes que saqueiam lojas porque não há policiamento (https://www.youtube.com/watch?v=oWjCAsgy33Y). São arrastões feitos nas cidades turísticas, como Olinda, agora, antes de começar o carnaval, na frente de todos. É o dinheiro público para equipamento do hospital que desaparece. São as rodovias, ruas e avenidas na escuridão porque a prefeitura ou o governo não pagou a conta. São as intermináveis operações da Lava Jato para prender corruptos milionários, empresários ou políticos.

Afinal, que civilização estamos formando? 

Nunca vai ser diferente, o crime, a corrupção, a esperteza vão sempre estar presentes na sociedade, mas, espero, que não da forma como hoje se apresenta. Euclides da Cunha (Os sertões) foi sem rodeios ao terreno dessa má formação do brasileiro, ou será isso um traço comum de todas as sociedades? O escritor Millôr Fernandes (1923-2012) costumava dizer que "os corruptos são encontrados em várias partes do mundo, quase todos no Brasil". Será mesmo? A ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) afirmou, ainda no governo, que "a corrupção não começou ontem. Ela é uma senhora idosa e não poupa ninguém".

Será mesmo assim? Será que ser honesto é a exceção? 

A ética, tal como a democracia só parece boa na casa dos outros. Na sua casa, é outra história. E como se o cidadão brasileiro vivesse sob uma ética ocasional[1], adaptável, portanto ao contexto e ao interesse. Fui criado ouvindo essa história de que "aos amigos tudo, aos inimigos o rigor da lei". E concordei com aquilo até o dia em que um velho professor, que me iniciou nas primeiras leituras, me advertiu. Não estou escrevendo sobre meu comportamento ético, mas admito que cometi alguns pecados, dei alguns jeitinho, afinal é "para isso que servem os amigos".

O jurista e professor Lenio Luiz Streck, da Unisinos, aporta que a "ética é minha relação com as minhas atividades e moral é a relação que travo com os outros". Os valores éticos devem ser cultuados dia a dia e está principalmente nos pequenos detalhes da vida em sociedade. Afinal, como nos comportamos em relação aos outros? Na verdade, parece que nos lixamos para o outro. Cada um de nós se julga o melhor em tudo. O melhor motorista, o melhor juiz, o melhor promotor, o melhor médico. Mas por que o trânsito é um caos, a justiça funciona mal, a medicina é uma tragédia para os pobres? Você já testemunhou em um hospital publico um dos médicos de plantão atender cliente particulares, enquanto a fila aumentava. Quando era jovem era moda dar carteiradas para entrar de graça no América ou no Maguary (lembra disso, amigo Totonho?)

Nosso país tem pacotes e mais pacotes prometendo combater a corrupção, que precisam funcionar para que não continuemos a ver o triste espetáculo da operação Lava Jato todos os dias nos jornais. Há pouco tempo vimos multidões tomar as ruas do país pedindo moralização. Prato cheio para cientistas políticos, escritores, filósofos, advogados, juristas, sociólogos e professores entenderem melhor as raízes deste problema que não é só brasileiro e também não está restrito à classe política.

O PUBLICO E O PRIVADO SÃO OPOSTOS

Vi na mídia, em artigos principalmente, que é quase unanime a ideia de que é natural a desonestidade do brasileiro, como se fosse parte de nosso DNA. Esse caráter duvidoso fica evidenciado quando, por exemplo, tentamos tirar vantagens, por menores que sejam, em situações do dia a dia. Contraditoriamente, essas mesmas pessoas se mostram cansadas e desiludidas com as sucessivas notícias de malversação de recursos públicos, uso indevido da máquina administrativa, o clientelismo, a não separação entre o público e o privado. 

Mas lendo tudo isso e surpreendido com a crescente onda de crimes dessa natureza, indago: de onde herdamos esse desvio de conduta? Sempre esbarro, com poucas variações, na mesma explicação. O nosso vício vem do patrimonialismo deixado pelos colonizadores portugueses. Patrimonialismo nada mais é do que a falta de distinção entre o
público e o privado.

Lembra quando o ex-governador Cid Gomes, ainda no mandato, em uma festa de fim de ano, no Coopercon-CE, disse ao empresário Pio Rodrigues Rolim eufórico, a respeito da construção das estações do VLT Leste que "vamos ver se agente faz um rolo aí ... eu desaproprio, e depois a gente vê...". Com ufanismo Rodigues só respondeu que "vamos pensar, vamos pensar, traga o tatuzão, governador que..." (veja a íntegra da gravação do vídeo no link
https://www.youtube.com/watch?v=CuNLLuPu8WU). É bem uma demonstração do desvio patrimonialista, que confunde o público com o privado.

Vi alguns dias atrás um material publicado pelo professor e filósofo Mário Sergio Cortella (que escreveu com Clóvis de Barros Filho o livro Ética e Vergonha na Cara!), sobre a ética e achei interessante. Ele explica que a "ética não é cosmética! É "reflexão prévia" que dá sustentação à resposta pessoal e livre para as três grandes questões que devem anteceder qualquer ação: Quero? Devo? Posso? A decência está na escolha e no resultado. Por isso, por exemplo, não é a ocasião que faz o ladrão, apenas o revela, dado que a decisão de ser ladrão ou não é anterior à decisão. 

Importante também a abordagem do jurista e professor Lenio Luiz Streck, quando diz que a sociedade brasileira perdeu, e há muito tempo, a capacidade de se indignar, uma passividade temerária aos rumos da nação. Lembro uma grande contribuição nesse sentido. Lula era presidente e estava em visita a Paris, logo depois de ter sido denunciado o MENSALÃO. A explicação dele para o caso foi que o "PT faz o que todo mundo faz". O que ficou da fala do então primeiro mandatário foi uma sensação de impunidade que, como diz Streck, torna os cidadãos apáticos e eleitoralmente céticos, o que vulnera a democracia. 

Mas, o  mau exemplo não pode triunfar. Há uma frase, de autor desconhecido, que diz que "o mundo que nós vamos deixar para os nossos filhos depende muito dos filhos que vamos deixar para esse mundo".



[1] Paulo Kramer, do Instituto de Ciência Política (Ipol) da Universidade de Brasília (UnB), diz que o brasileiro sofre de uma patologia crônica: a ética dupla. Ele traduz a teoria ao parafrasear a máxima "para os amigos tudo, para os inimigos a lei". Para Kramer, o cidadão é adepto de uma ética situacional.