No jogo político que se vê não há inocência. São todos velhos e ardilosos jogadores, que, às vezes, se deixam levar por aprendizes de feiticeiros tangidos pela ambição. Outras vezes, fazem movimentos com tanto afinco, antecipando, criando oportunidades futuras que podem estragar o jogo. Vejo de tudo isso um pouco no percurso dos fatos que marcaram, menos, a saída de Mandetta e, muito mais, a retirada de Sérgio Moro.

O primeiro movimento saiu a bom preço para o presidente Bolsonaro e seu quadro visceral de conselheiros. Mandetta acabou se enredando em seus atos e, sobretudo, em sua própria verborragia, bem ao estilo peixe de Ciro Gomes. Naquela ocasião, ficou no ar um “teaser” na voz do próprio presidente. De fato, o ato seguinte veio logo (oito dias depois), antecipado e arrimado na demissão do superintendente da Polícia Federal. Aí o preço saiu -e vai ficar mais ainda- salgado para os contendores.

Faltou às partes alguns cuidados. Moro queimou qualquer chance de diálogo com o presidente Bolsonaro, que poderia valer a pena no decorrer de embates do porvir. Esqueceu o país que alega servir e estar à disposição. Com olho apenas no próprio umbigo, agiu com duvidosa ética, sem patriotismo e civismo, ao olvidar a crise que vivenciamos todos, e, sem dúvida, negou seu passado e descuidou do currículo que diz valorizar tanto. Culminou por brindar, com sua atitude, os corruptos, principalmente da esquerda, desestabilizando o governo e abrindo mais espaço para ataques ao presidente. Ninguém mais do que Moro sabe e sabia o peso das suas atitudes e acusações.

O apoplético presidente Bolsonaro desabou em quase todos os mesmos erros de Moro. Tanto um como o outro, deixou fugir da memória a velha lição de que um homem público, às vezes, tem que ir para o sacrifício, chefe ou subordinado, para preservar a ordem e equilíbrio do país, do povo e de suas instituições. Vale muito em um país acossado por uma pandemia implacável. Moro foi insubmisso e ardiloso, com visíveis objetivos eleitoreiros. Jair Bolsonaro foi um Messias inflexível e improvidente, seguidor de uma cartilha de fracas premissas e de conselheiros ciosos, com claro objetivos de limpar espaços e de punir discutíveis pecadores.

Ao fim, restou um alquebrado Brasil pandêmico, adversários afiando as armas, corruptos em brindes e o vislumbre de um futuro que já vimos. Não bastaram o desabafo tardio e o reafirmar de convicções militares do presidente. Assomaram evidentes o alvoroço insalubre dos próximos dias e a certeza de que os dois mentiram em algum pedaço da narração dos fatos.